domingo, 20 de setembro de 2009

ENTRE VER E NÃO VER


"Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber...
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer..."

Zé Ramanlho/ Admirável gado novo


Os olhos se abrem. Piscam em câmera lenta, depois o ritmo se torna mais frenético. Eles enxergam, olham, mas nem sempre vêm.
A capacidade de ver, não está naquilo que se olha, mas na percepção que se tem do que se olhou, ela é formada por muito mais que retina, ela é formada pela experiência que os olhos adquirem, olhando.

No livro “Um antropólogo em Marte”, o capítulo VER E NÃO VER trata exatamente disso. Conta a história de Virgil, homem de 45 anos operado de cataratas que possui nos dois olhos, ela o impossibilitaram de podiam notar enxergar a vida toda. Ao retirarem os curativos, médicos e familiares de Virgil: Ele podia ver, mas o que ele via?
A questão é que uma pessoa acostumada a reconhecer um cubo de um quadrado pelo tato, não podia reconhecê-los agora, apenas pela visão.
O tratamento continua muito tempo após a alta dos médicos, a vida também trata e a experiência é uma doutora paciente.

Saindo do campo físico, a questão é tão ampla quanto, porque nem sempre vemos aquilo que deveríamos. Se tem uma coisa que peço a Deus, é que Ele amplie minha visão para aquilo que não é visível, e também minha audição para aquilo que não foi dito e que eu sinta o cheiro de coisas escondidas à milhares de metros abaixo do solo da conveniência.

Outro dia participei de uma palestra onde a palestrante, questionada sobre a forma briga entre grandes emissoras de TV, disse que neste caso não havia inocente algum, e incentivou os alunos a observarem com desconfiança e não crer em tudo que é divulgado. Pois, não é uma freqüentadora da denominação cujo dono é também dono de uma das emissoras ( o primeiro dono é intencional, não errei não)saiu revoltadíssima questionando quem a tal da palestrante era pra falar daquele jeito?

Sim ver dói e dói muito. Quando ouvi a tal reclamando fiquei com vontade de ir até ela e falar: “ Ei, nem todo mundo tem que acreditar no que eles dizem, se você acredita o problemão é seu”, mas depois, acalmando, percebi que ela não tem culpa, que ninguém que agora está assistindo a tal da Rede acreditando que foi Deus quem mandou passarem aquelas novelas ridículas, tem culpa. Todos os interesses comerciais, financeiros de detentores de poder estão escondidos, eles sempre estão submersos em um alto teor de blá blá blá e as pessoas não podem ver a não ser pela experiência e pela vontade de fazer isso.

No livro Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago aborda uma cegueira diferente da convencional. Diferentemente dos cegos tradicionais que vêm tudo escuro, a epidemia transforma as pessoas em cegos que vêm um clarão, tudo é tão claro que não permite ver nada além.

“ Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem”. (pag. 310)

É isso que penso, que vejo quando vejo. Uma multidão que marcha para o nada olhando para luzes que mal sabem de onde e como são. Gente que tenta ajudar aos outros sem nem mesmo conhecer o caminho, que leva a sério tudo que é falado, que não questiona e não pergunta, que aceita tudo como ordem e a obedece até o fim.
Eu espero ardentemente me ver livre deste espírito de manada, e trazer comigo quem eu puder carregar.

2 comentários:

  1. Hoje em dia as "teletelas" ainda manipulam a maioria das pessoas(de um jeito diferente mas é fato). Triste realidade! Pelo menos o direito de pensar e de expressar é nosso e isso acredito que ninguém tira mais...

    Belo texto Cintia, parabéns!

    Espero também estar fora desta manada, mesmo que tenha que batalhar muito pra isto.
    Bjo

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  2. Ci,concordo com você sim, mas acho que a diferença entre Virgil e a situação que vc está tentando retratar é uma que faz toda a diferença: No caso de Virgil, ele via fisicamente falando, mas realmente não conseguia interpretar o que via pelas adaptaçãoes de seu corpo.
    Mas no caso dessas pessoas que estão sendo 'manipuladas' por certos líderes religiosos, como a menina da palestra,
    eles podem ver e interpretar o veêm sem dificuldades, mas não querem. É o que diz o velho ditado: "O pior cego é aquele que não quer ver".
    Posso dizer isso com a experiência de quem um dia não queria de modo algum enxergar, embora soubesse em pensamento o que veria se abrisse os olhos.

    Desculpe me alongar, vc sabe que me empolgo qdo o Macedo tá metido na história..haha
    Beijo!

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