sábado, 27 de junho de 2009

ELA

Ela subiu no sofá da sala que se encostava na parede azul
Abriu a janela que mal podia alcançar e gritou
- Venham todos, venham ver os países.

Então toda a família se aglomerou e olhou
e só o que viram foi o que o óbvio podia ver
Viram muros e telhados, casas e àrvores,
viram também o céu que trazia nuvens carregadas
Desesperadas para explodir em gotas.

Ela, no entanto, olhou e viu
Viu que por trás da cortina cinza cheia de nuvens,
haviam pessoas que habitavam países e continentes,
estados e cidades, havia gente de todo tipo e bichos também ela viu.

Viu que nada era da forma que se vê, que sempre há mais
Que o horizonte é o lugar onde se deseja intimamente estar,
tão longe e tão constante.
Viu galhos e insetos, flores e folhas
Risos e dores ela viu.

E no fundo do que era, ao ver passou a sentir
E sentia todas as dores do mundo
E pensava em todos os sonhos das gentes
Ria o riso das crianças todas que enchiam a Terra.

E a fisgada no peito apertou bem fundo e quase como um grito lhe escapou da cabeça e invadiu a boca e calou os olhos, aquela pergunta que vem quando se vê:

Pra quê eu vivo?

quarta-feira, 24 de junho de 2009


Se pudesse trocar de nome
Eu me chamaria alento
Eu responderia ao tempo, essas ofensas que tem me feito
Eu gritaria na rua como é bom viajar sem culpa
E ficaria por horas dizendo e dizendo
Uma palavra tão crua que causaria enjôo
Palavra tão verde que amarraria a boca
Tanto a minha quanto a sua.

Se pudesse voar sem pressa eu me levaria ao fundo
No soluço do susto
E no movimento do vento intenso e atento
Pousaria sem medo
Onde sempre desejei estar
E cairia sem pressa e sem jeito
Bem perto do seu lamento
Ao lado de sua casa
Embaixo da sua asa
Até que chegue a hora
De mais uma vez ir embora
E então se vá.

domingo, 21 de junho de 2009

MEU ANTIGO E ADMIRÁVEL MUNDO

Conversava com um amigo esses dias sobre o poder que as novidades tecnológicas exercem sobre a gente. É inacreditável o que fazemos hoje, muitas coisas que não imaginávamos há 10 anos, e isso sendo bem generosa, porque tem coisas que não imaginávamos há 1 ano atrás.

Realizei um trabalho para a faculdade no início deste semestre que analisava algumas novas mídias, eu, responsável pela web cam, não tive dificuldade em reparar a diferença que há entre o ante e o pós desta nova tecnologia. Ela mudou o sentido da saudade, mudou a forma das relações mais tradicionais como de avós e netos e mudou também, e talvez com mais visibilidade a forma de se enxergar o sexo.

Esta semana fiz aniversário e é incrível o número de felicitações que recebi por email, SMS e por recados no Orkut e acredite, dei a todos eles o mesmo valor que um abraço real.
Sim! Esse admirável mundo novo é realmente muito bom. As possibilidades são tantas, as novidades são ainda melhores.

Mas o que acontece de errado é quando a gente se acomoda, é quando a gente acha que um SMS basta e que MSN também serve pra matar a saudade.
Quando a gente pensa que o Orkut carrega a vida exata da pessoa e tudo que ela sente, quando nos esquecemos de perguntar se está tudo bem? De forma comum, antiga e tradicional.

Eu sou um exemplo, vivo adiando encontro com amigos ou achando que um recado vai resolver o problema. Venho deixando minhas discussões serem virtuais e ainda consolo amigas por SMS. Meu Deus! Isso é ridículo!

É inacreditável como as novas mídias e toda essa tecnologia tem atado as nossas mãos e tem nos deixado cada vez mais robóticos, nossos sentimentos são virtuais e a gente se satisfaz num email.
Esse meu amigo me disse que a gente vai acabar enlouquecendo, que entrar demais nesse mundo enlouquece e o pior não é isso, o pior é que aquele que não entrar totalmente é que vai ficar com fama de louco.

Bom, eu sei que este post é de uma pessoa leiga nesses assuntos mais modernos, apesar das minhas últimas rendições, eu ainda sou da turma do livro no papel, do telefone com fio e do sorvete na praça.
Eu ainda fico com a minha “First life”, ainda que não seja perfeita, mas ela é real né. Fico com a gargalhada de verdade e não com aquelas dos emotions, fico com o “e ai?” sonoro e fico com a galera de carne e osso que vive ao meu redor, sem tratamento de imagem e sem musiquinha de fundo em mp3.

Eu vou ficando com o antigo e admirável mundo e com tudo de verdadeiro que ele pode me dar, porque email não tem cheiro e monitor não sorri pra mim quando falo bobagem.
"Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento."

Adélia Prado

quinta-feira, 11 de junho de 2009

COISAS DO AMOR

Amar é sempre ser vulnerável. Ame qualquer coisa e certamente seu coração vai doer e talvez se partir. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, você não deve entregá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva o cuidadosamente em seus hobbies e pequenos luxos, evite qualquer envolvimento, guarde o na segurança do esquife de seu egoísmo. Mas nesse esquife seguro, sem movimento, sem ar ele vai mudar. Ele não vai se partir, vai tornar- se indestrutível, impenetrável, irredimível.
( C.S. Lewis)


Acho que o famoso escritor de “As crônicas de Nárnia” tem razão. Sim, nós podemos guardar os nossos corações e sim podemos torná-los independentes assegurando-os num lugar confortável. Mas, não podemos obrigá-los as permanecer da mesma forma que um coração que foi entregue.
Um dia li que o amor nada tem a ver com aquilo que se recebe, com atitudes ou palavras de uma pessoa seja ela amada ou não. O amor só pode ser aquilo que se dá, aquilo que é oferecido, doando é que se sente amor, recebendo podemos sentir carinho e gratidão, mas nada que vá muito além disso.

Não sei por que estou me dedicando a essas palavras, você pode pensar que deve ser porque hoje é véspera do dia dos namorados e isso me inspirou de alguma forma, mas essa é mais uma data comercial onde empresários e publicitários ficam um poucos mais ricos. Eu sei que no dia 13 de junho as pessoas correrão às lojas pra trocar os presentes que não gostaram e sei que no dia 14 todas as palavras já serão esquecidas, e esse dia ficará apenas nos cartões que ficarão guardados.

Agora, você vai pensar que eu devo estar muito frustrada pra dizer isto. Mas é preciso ver o que está estampado em nossa frente e entender que o amor não está nos comerciais de grandes lojas, ele não está em frascos de perfume e nem em uma noite que prometia ser inesquecível. Ele se esconde nos lugares inabitados e ele ameaça aparecer quando tirarmos toda essa roupa que a publicidade nos mandou vestir, quando quebrarmos os cartões e entendermos, como disse Chaplin em "O grande ditador", que não somos máquinas, nós somos homens e necessitamos de bondade muito mais que toda essa quinquilharia.

É por isso que há por todo lado pessoas que se escondem, gente com feridas tão profundas por relacionamentos que só trouxeram algo pra se envergonhar, é porque nós permitimos que as novelas nos digam como amar, é porque assistimos a filmes e exigimos que as pessoas que nos acompanham tenham as mesmas características, coisas que nem mesmo nós sustentamos.
É porque permitimos que um Grande Irmão* nos endureça e nos torne frios já que não achamos aquilo que julgamos merecer, aquilo que os outdoors dizem que merecemos.

E então nos tornamos impenetráveis, à procura de flores e bombons, de perfumes e bolsas, de sorrisos em fotos. Nós andamos cada vez mais longe daquele amor que ficou esperando num lugar escuro e simples com a goteira fazendo barulho e uma musica muda.

Nós nos tornamos em coisas que possuem cada vez mais coisas e não sentimos nada, nem mesmo culpa, já que somos consumíveis e descartáveis agora.

*Grande irmão/ Livro 1984 de George Orwell

sábado, 6 de junho de 2009

HOJE.

Hoje o mundo acordou com a cara virada
Tudo desarrumado e grudado
Hoje o mundo inteiro acordou sem querer falar comigo
Acho que ando atazanando o mundo..
penso que ando falando demais.

Mas há dias que não quero ver o mundo
Tem dias que não quero falar também.

Mas hoje era um dia absorto em toda palavra
Um dia em que plena, achei que podíamos travar num contexto
Um gesto ou um jeito
Se entender no que passa, no que passou e no que vem.

Esse mundo que se compõe de coisas e seus fins
E de pessoas que se coisificam, e de coisas que se personalizam.

Um dia ouvi um cego que profético,
que do que não via não entendia,
me disse: “Preste atenção,
tudo está perdido mas ainda tem o mundo
Ainda tem as gentes e o tempo.”

Mas no seu desejo de provérbio não pensou que eu já sabia
Duas vezes pobre, duas vezes cego.

Quero dizer que hoje eu não tenho o mundo
Não tenho as gentes e nunca fui tão muda, num estive tão mudada.
Hoje eu só tenho o tempo que bate cobrando o preço
Eu tenho o tempo e a palavra que se sentam ao meu lado
Só por eles e para eles eu não vivo só.


quarta-feira, 3 de junho de 2009

À ESPERA DE UM LENÇO

“ Cerro os dentes e enterro o cortador bem fundo em uma de minhas unhas. Corto a carne e deixo o sangue brotar. Esfrego o dedo no lenço, dos dois lados, e o devolvo a ela.
“ Aqui está a sua virgindade”, digo.”


As frases acima são de um livro que ando lendo e se chama “O Salão de beleza de Cabul. O mundo secreto das mulheres afegãs”, depoimento de Deborah Rodriguez que viveu histórias intensas num Afeganistão que se reconstruía da guerra.
O trecho trata de uma jovem que na noite de núpcias precisava enganar o marido de que permanecera virgem até ali. Um detalhe que não torna a história mais ou menos chocante é que ela havia sido abusada anos antes por um primo e também noivo que a abandonou depois disto.

E Deborah continua:
“...Ouço a mãe de Roshanna gemendo e chorando. Portas estão batendo...
...vejo que a mãe de Roshanna está chorando de alegria. “Virgem”! ela grita pra mim, triunfante, acenando o lenço manchado com meu sangue. “Virgem”!


Quando li esta história, minha primeira reação foi agradecer a Deus por não habitar num país como este, foi tentar me enganar que por aqui as coisas são diferentes. Mas, com alguns segundos pra pensar e memórias que sempre voltam, sou tristemente obrigada a dizer que as diferenças são mínimas.

É verdade que quando me casar ( se casar) minha família não ficará acampada na porta de meu quarto esperando pelo lenço manchado, e caso ele não se manche o marido não me devolveria, nisso somos diferentes sim.
Mas, a sociedade sempre acampa à espera de outras coisas, satisfações talvez e uma boa desculpa por você ter agido do modo como agiu.


Já passei por fases assim e ainda nem sei se elas já acabaram sinceramente, ouvi coisas que não gostaria de ter ouvido e carreguei adjetivos que certamente não eram meus.
O lenço certamente estaria manchado, mas isso realmente não importa agora, quando despejam todo tipo de escória em seu nome e te fazem acreditar que não se é digna de nada além de um canto escuro e de lágrimas salgadas demais pra te deixar dormir.

Tem sempre alguém acampando e gritando o que acontece do lado de dentro, ainda que tenha tido uma visão distorcida, tem sempre alguém se aliviando do erro e o despejando em outros ombros.

A verdade é que nosso sistema interno, muitas vezes, é o mesmo que o sistema de países extremistas, o que muda é o que está do lado de fora. As mulheres das terras tupiniquins sofrem tanto como as que encobrem todo o corpo. Nós sofremos por dentro e nós pagamos muito caro pelas escolhas que fazemos acreditando que a era é outra e que as coisas são mais modernas agora.

A verdade é que continuamos manchando o lenço umas das outras para nos proteger, continuamos aceitando os adjetivos e esperando que um dia a verdade surja com o sol.

Eu, muito inocentemente e quase burramente, espero não precisar mais chorar num canto escuro por decisões que ficaram no passado, espero não ter que explicar nada aos que esperam por respostas para satisfazer seu ego faminto de auto afirmação.
Quero levantar a minha cabeça, e ali, alta e segura me ver livre das palavras encardidas e da falsa santidade que anda latindo como um cão assustado.

O caso é que as condenações são as mesmas, já a sinceridade não.