terça-feira, 26 de maio de 2009

MARIA

Havia dias em que ela se levantava trêmula e ainda capengante, parava e se encarava diante do espelho.
O olhar vazio contemplando a roupa branca, ainda a de dormir, os gestos lentos parecendo desmanchar no ar ao som do pássaro que cantava na janela, preso em uma gaiola.

Houve um tempo em que as faces foram rosadas e os cabelos quando penteados roubavam olhos por onde passavam.
Neste tempo, ela nem mesmo se encarava, a felicidade a consumia do nascer do dia à morte deste.

Mas o tempo sempre se vai e como quem nada quer deixa bem claro que já se foi, e nos deixa ralos com o compasso de seu passar e traz coisas e leva outras, ele sempre leva alguém.

Ela, melancólica, olha-se como quem se ignora.
Sente-se como quem não existe.
Sonha como se sonho não houvesse.

Com passar do tempo, Maria, a gente se acostuma
Com o pássaro na gaiola
Com o olhar vazio
Com a fome das coisas que o tempo levou.

Haverá dias, Maria, que você não se lembrará destes dias tão cínicos
De pessoas tão chulas
De palavras tão torpes
Em que você se encarará apenas e perguntará:
Quanto tempo já passou?

Enquanto isso aguente Maria,
Esqueça o sonho que já não há
Esqueça-se da forma que se sente
e das pessoas tão cheias de si.

Apenas se encare Maria, que o tempo levará.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

DESPEDIDA CRUA

Eu quis olhar pra trás
Mas minha visão foi embaçada e não consegui ver
Eu quis sentir um cheiro, mas como se uma alergia me atacasse
Minhas narinas foram travadas e assim não pude
No meio da neblina, eu procurei pelos olhos
As mãos já foram soltas
Os corpos afastados
Mas eu ainda me lembrava
E eles eram verdes.

Eu quis dizer que tanto faz
Quis pensar que tinha jeito
Tentei sonhar com algum futuro
Mas futuro eu sei, já não há.

Eu pensei me deixar levar pelas desculpas
E acreditar que se passou tempo demais pra desistir
Mas jeito já não tem
O amor já não vem
E eu não tive culpa ou não quis ter.

Os olhos são cinzentos e o verde se apagou
A graça foi embora e o que ficou foi o choro.
A decepção também se foi
No lugar, um espaço vazio, oco e sem nome.
É o que tenho agora e te ofereço
Esse espaço é seu
Vazio, oco e sem nome.

Pra alguém ainda mais oco
Pra alguém ainda mais vazio.

A despedida não é necessária
E as palavras cruas são esmagadas com um sopro
Então eu digo:
Vá em paz e vá com seu nome
Vá com a paz que foi roubada de mim e
seu nome limpo e claro às custas do meu, agora sujo por amor do seu.
Pela sua falta de coragem
Pela sua fome de aplausos.

Fique com as palmas e fique com o nome
Como já disse, os nomes não me importam e os aplausos sempre cansam
Já que são sempre tão vazios.
E eu fico.
Fico com a promessa de um amor que vem
Com a ousadia de sonhar com um futuro.

Fico sentada na estrada ouvindo seus aplausos
E às pessoas que gritaram o seu nome.
Aos poucos os aplausos terminam
Os gritos se abafam
E ao redor dos seus olhos eu só vejo esse espaço
Tão oco e tão vazio
Um cheiro de nada

A voz da mãe que não preenche o vácuo
A lembrança de alguém que quis ver mais
Ser mais
As lembranças também irão um dia

Eu me levanto da estrada e vou
No silencio do seu nome e carregando o meu cheio de escória
Mas uma escória tão cheia de dignidade e tão leve
Finalmente eu verei olhos que me vejam também.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

SANTA IGNORÂNSIA COM S!


Por favor, não fiquem assustados, o título deste post é intencional e sim, eu sei que ignorância é com C.
Acontece que tem gente que não sabe, tem gente que escreve coraSão, que escreve caiCHa e que escreve deRRepente. E quando isso acontece, como a gente ri.
O que acontece na verdade é que quando a gente ri de forma a constranger alguém, provamos ser um bando de ignorantes, pseudo-intelectuais, que deveriam ao menos tentar analisar essas questões com mais lucidez.

Outro dia eu percebi que vivo cometendo erros de português, fiquei chocada, eu quis culpar o MSN, o Orkut e o cansaço. Eu quis me justificar.
Cheguei a escrever na lousa da faculdade e bem grande HipogliSSemia, então “alguém gritou, hipoglicemia é com C” . Mas eu não fiquei envergonhada dessa vez não, o fato é que eu não sabia escrever isso mesmo.

Mas o objetivo deste texto além de confessar meus pecados gramaticais é me fazer refletir e fazer refletir o tamanho da mediocridade que é ficar tirando sarro de quem "escreve mal" ou se achar super esperto porque nunca cometeu um erro, um pequeno que fosse.

Meu linguista favorito Carlos Bagno, trata em seu livro “Preconceito Linguistico” questões como essa, preconceitos que nós, “pseudo-intelectuais” cometemos contra o nosso povo, muitas vezes sem acesso.
A língua é criada pelo e para o povo. Então não existe errado e nem certo, muito menos meios de controlá-la.

Não dá pra chegar num pai de família que trabalha na roça, que teve que parar de estudar cedo pra sustentar a casa e dizer:
- Ô seu João o trema caiu segundo a nova norma da língua viu, fique atento.
Talvez ele não saiba o que é trema, talvez ele saiba, mas não tenha a oportunidade de usar mesmo.
Mas o seu João não é ignorante, ele é um brasileiro como eu, mas que não pode ir à escola, só isso.
A língua que ele fala não é inferior à minha, é diferente, porém é o português ou o brasileiro como ele achar melhor dizer.



Que os Seus Joãos e Marias e Antonios perdoem os nossos preconceitos linguísticos ( sem trema). E que a gente possa reconhecer que sim, erramos às vezes e depois concertamos ou não. Mas, que somos o mesmo povo.
Ignorante é aquele que se coloca como superior e mesmo escrevendo “certinho” ( que é um termo preconceituoso), não sabe olhar para o outro com carinho, não sabe dar valor as pessoas que tem próximas, julgando-se em um nível mais alto.

A verdadeira ignorância está no ridículo das palavras impensadas e nos comentários inconvenientes.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Pensamento mórbido

Música para os ouvidos
Palavras para os lábios
Poema para o sonho
E trabalho para comida

Quem disse que existe um fim?
Quem disse que existe um tema?

A minha vida foi pautada como a uma reportagem.
Quando nascemos entregam-se as pautas.
Ninguém está isento.
Mas a minha se rasgou e não sei pra onde ir,
Eu simplesmente não posso fazer nada

Poderia consultar um documento qualquer, se esse existisse
Algo que me explicasse
Alguma placa que indicasse o caminho
O senso e a direção

“Andando em bravo mar, perdido o lenho”, disse Camões
Se eu traçasse uma linha, o que estaria no início?
O gesto, a crítica ou o sonho?
Talvez fosse o fim.

Eles me disseram que não pode ser assim
Não se pensa dessa forma
Mas rasgou-se o que foi pré determinado
E o plano se foi

Então, não me diga o que ou como pensar
Não me faça agir como mais um
“Escuta, te deixo ser?” Diria Clarice, “ deixa-me ser então”.

Se eu me calar, então outros falarão.

domingo, 3 de maio de 2009

PEQUENA CONFISSÃO FEMINISTA


Eu sempre olhei pra muitas meninas da minha idade e as achava sonhadoras demais, piegas demais.
Mas, hoje pensando em tudo que vi, vivi. Entendo, amargamente que talvez a mais piegas e a mais sonhadora seja eu.

Sempre me incomodei com o tipo de mulher que se contenta com um anel e que pensa que esse lá significa alguma coisa. Sempre quis arrancar os cabelos daquelas que se sentam e esperam seus preciosos maridos chegar a casa cheios de novidades rotineiras, enquanto nada têm para dizer a não ser sobre a louça, a casa, a roupa.

Nunca compreendi a necessidade de se ter ao lado alguém, pra mim, a necessidade é sempre vilã eu sempre acreditei na opção e por opção caminho.
Não entendo o véu e a grinalda, eu não entendo aquela barriga enorme, independente de quantos meses seja, sentada numa poltrona olhando a vida passar. Esperando em algum momento da vida receber gratidão pelo peso carregado por tanto tempo.
Não entendo as flores, o arroz que é jogado e o dia seguinte, não entendo.

Mas, outro dia percebi com maravilhosa angústia que elas também não me entendem. Não entendem meus livros, minhas roupas. Minhas falas elas não entendem. Meus palavrões e minhas idéias.
Eu não sou a verdade.
Eu não sou a mulher que queria ser.

Houve um tempo em que pensei ser isso um dom, algo realmente bom que me separasse e que me permitia ser independente da sociedade, da família, da igreja.
Mas, quando chega a noite e quando ela é fria, depois do trabalho e dos estudos, tudo me parece mais complexo. Outro dia li um trecho de Adélia Prado e ela diz :

“Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.”
“Mulher é desdobrável. Eu sou.”


Mas o que acontece é que eu devolvo o livro à estante, desligo o computador e estico as cobertas sobre o rosto. E ali, eu estou sozinha e a verdade é só essa.
Desdobrável e sozinha.
Deve haver alguma forma, um equilíbrio entre a feminista que queima roupas íntimas à aquela que se ajoelha como que diante de um rei.

Enquanto isso, a única coisa que consigo escrever neste post, como resposta as muitas perguntas que me fazem diariamente, é que não preciso de um anel, se precisasse compraria um. Não preciso do sustento ou do sobrenome de um homem. Não preciso de filhos. Não preciso de alguém que me diga o que fazer, o que vestir ou como agir, alguém para medir minhas palavras e que tente me moldar como um oleiro ao barro.

Eu odeio o verbo precisar e seu significado, mas, sou obrigada a admitir que o que todos precisamos é de alguém numa noite fria, alguém que esteja ali quando o livro for guardado.
Alguém que sutilmente me faça sentir que a necessidade pode ser amiga e que não se assuste comigo e essa minha mania de nunca dar satisfação a respeito dos meus pensamentos.

Enfim, alguém com quem eu não precise me fantasiar de noiva pra entender que o amor existe e que faça essa cerimônia que é tão sonhada por tantas, parecer pequena diante do que a vida guarda às pessoas que procuram algo pra sentir além do que ostentar.
Alguém que não fira o meu orgulho e que saiba que estou ali por amor, já que conveniência, ritual ou sobrenome, bom... nada disso me interessa.

Por essa e outras coisas sou obrigada a admitir que muitas vezes, sou muito mais sonhadora do que aquelas que acreditam que o amor é um conto de fadas e que sonham com a família feliz que a parece na novela das oito.
Já que como Clarice Lispector “procuro uma verdade inventada”, talvez eu busque alguém que não existe, uma união impossível e talvez eu devesse comprar mais livros.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

SÓ MAIS UM POUQUINHO






" Frequentemente eu sinto como se estivéssemos navegando cegamente. Que tal mudarmos nossos passos para consertar essa cena? "

Para quebrar o tédio, como diria uma amiga minha, resolvi começar este post com um vídeo. A música “Saving the world” da cantora australiana Brooke Fraser, que particularmente gosto muito. Ela trata de uma apatia tão próxima de nós, uma falta de ação, com relação a tudo que temos visto, que mora ao lado.

Veja, todos nós adoramos ver na TV novas reportagens sobre aquecimento global e coisas do tipo, ficamos semanas comentando, escandalizados quando uma tragédia acontece. Repassamos e-mails virais criticando grandes empresas que têm poluído e explorado o nosso mundinho. Mas a pergunta que não cala mesmo esta sendo velha é: O que você fez?

Todos, em algum momento da vida ouvimos certa historinha sobre um beija-flor que tenta apagar um incêndio na floresta onde vivia e que pegava fogo. Ele carregava pequenas porções de água em seu bico e consciente de sua pequenez tentava ao menos fazer o seu pouquinho, bom, é melhor que ficar parado.

Esses dias eu me perguntava, qual é o meu pouquinho e qual é o seu?
Hoje, muitas empresas têm feito alguma coisa pelo ambiente e o melhor é que muitas nos permitem colaborar de alguma forma também.
O meu pouquinho pode ser não comprar quase nenhum papel que não seja reciclável.
Consumir produtos que me permitam a possibilidade de refil, diminuindo o impacto que as embalagens plásticas causam no ambiente.

Ninguém precisa consumir carne todos os dias e nem fazer aquele churrasco todo fim de semana, consumindo menos carne, precisamos de menos animais e assim de menos pastos. Dessa forma podemos ficar com nossas florestas, certo?!
Dar um chega pra lá nas sacolas plásticas e caminhar um pouco é sempre bom e não mata ninguém.

Você pode pensar, que coisa mais chata e nada original e isso é verdade. Esse tema nada tem de original, essas considerações nos bombardeiam todos os dias e ainda sim, muito pouco ou quase nada é feito.
Outro dia uma pessoa me perguntou como eu tinha coragem de usar uma folha de caderno tão feia. Bom, eu acho minhas folhas recicladas lindas e sinceramente não há resposta para um comentário tão alienado e insensível.

Eu não sei como terminou a história do beija-flor, não me lembro se ele salvou a floresta ou não, se mobilizou os demais animais ou não. Mas, imagino que quando a noite chegou, ele se aconchegou em algum lugar pra dormir cansado de tanto trabalho e o sono veio leve e a consciência da exaustão pela luta no que acreditava.

Eu também não sei se o meu pouquinho conta muito, se com este post eu mobilizo alguém, o que eu sei é que quando as minhas costas encurvarem, quando eu não tiver mais forças pra trabalho algum, quero me aconchegar tranqüila em algum lugar, eu quero a exaustão de uma vida que valeu a pena e entender que fiz algo por aquilo em que acreditava.
E que a morte venha leve e tranqüila e que eu vá consciente de que nunca fui um peso morto aqui na terra.



Eu posso ficar parada e deixar que pessoas com cargos específicos resolvam, posso gastar minha energia jovem com outras coisas como a maioria faz. Eu posso me alienar e me preocupar mais comigo, por que não? Mas, acontece que eu não quero.


“Então o Senhor Deus pôs o homem no jardim do Éden, para cuidar dele”. Génesis 2:15 a ( grifo meu)