Fiz essa crônica em homenagem ao aniversário de minha cidade para o Diário do Engenho. Conheça: http://www.diariodoengenho.com.br/
Sentado num ponto de ônibus, estava o velho de cabeça baixa e olhos fechados. Vestia roupa social, do tipo ainda que usava quando jovem, tendo acrescentado a ela um jovial boné azul - para proteger a calva do sol que ardia.
O velho esperava, mas não um ônibus ou taxi. Esperava alguém – um qualquer que pudesse ouvi-lo. E, quando me aproximei, foi logo dizendo:
- Moça, sabia que antes tudo isso aqui era cana?
-Não sabia não, respondi. Olhei pro nada, não sei por que motivo.
- Eu cortei cana por tudo aqui, disse o velho, mas isso faz tempo. Foi trinta “anos fazeno a mesma.” Daqui te lá na frente, onde “nem dá pra olha.”
Olhei pro velho, pensando não sei em que. Tirei o fone do ouvido que tocava um rock qualquer. Pensei que talvez ouvi-lo por um minuto não me custaria quase nada.
Então ele me falou de seu trabalho. Lamentou estar aposentado (e, quanto isso, olhava pra longe todo o tempo – e esse movimento quase lhe fechava os olhos enrugados).
Penso eu que imagens se formavam novamente em sua lembrança. Que ele se via jovem e forte, cercado pelos companheiros de trabalho, vestindo as roupas próprias pra o lido com a terra. Penso que ele sentia o doce da memória - e o olhar marejou os trinta anos de história que nos envolviam naquele ponto de ônibus.
Os carros passando e as crianças jogando futebol no campinho em frente ao ponto de ônibus foram ficando nublados e entorpecidos pela vida do velho. Acho que penetrei na lembrança dele, e quase que podia vê-lo, jovem e desperto, com o rosto suado e o corpo encurvado construindo também a Iracemápolis em que cresci.
Iracemápolis, em tupi a cidade dos lábios de mel. Lábios esses, adoçados com o açúcar da cana que a cerca. No doce da história, um gosto leve de sal. Desconfio, hoje, que deva ser do suor de centenas de trabalhadores que, como o velho, passaram dias e madrugadas também por entre os canaviais - se ferindo no facão, almoçando as dez da manhã, com a fome forçada pelo esforço pesado, vestindo roupas compridas para se proteger de animais e do sol.
57 anos completará a minha cidade - e tantos velhos, nesse dia 03 de maio, se sentarão para contar suas histórias de trabalho e de amor, vivenciadas não só nos canaviais mas também no coreto da praça central e no comércio da pequena “lábios de mel.”