quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

BOCAS DE SINO

Saiu naquela manhã se sentindo um tanto estranha com as roupas que vestia. Setia-se na verdade, uma pessoa presa em uma foto de 1970. Como eram mesmo os nomes dessas calças? , se perguntou, Ah, Lembrei! Bocas de sino, calças bocas de sino.

Ela tinha visto uma imagem do pai vestindo algo parecido com aquilo. A peça ajustada na cintura ia fazendo uma abertura em forma de sino quando chegava à barra deixando um grande espaço que mal lhe mostrava os pés.

Lembrou-se imediatamente do pai, quantos anos ele teria quando usou aquela roupa? Já havia conhecido sua mãe? Teria ele, sonhos maiores, como os seus, para a vida futura? Teria ele realizado estes sonhos ou os enterrado como os pés cobertos naqueles enormes pedaços de pano?

Ela não sabia. Não havia como saber. Sempre considerara o homem como um ótimo pai. Bem melhor que muitos de seu tempo. Porém, ele sempre fora um tipo carrancudo e enigmático. Falara muito pouco de si mesmo, preferia concentrar-se a educar os filhos, dizendo-os o que fazer ou não, como e quando fazer. Corrigia-os com voz firme e quando as coisas apertavam abrandava o som para perguntar se precisavam de algo. Era mesmo aquele tipo famoso que não deixa faltar nada, como dizia sua avó, mas faltava algo muito importante e ela sabia. Faltava saber quem de fato se escondia por trás da postura ereta. O que havia de sentidos e sensações em torno daquele coração que ela nunca vira, atado por trás do bigode aparado e da barba sempre bem feita.

A menina se sentiu agoniada por um momento enquanto se dava conta de que não sabia sequer se aquele homem que a criava e cuidara dela durante tantos anos era feliz, ou se assim, como ela, sentia o peito apertado as vezes como se fosse sufocar e então olhava para o céu e se indagava sobre o sentido de tudo que vinham vivendo, aquela coisa toda que sua família vinha enfrentando. Ela preferiu não pensar nisso, não agora. Questionou-se se assim, como ela, o pai não via mais beleza nas cores pintadas pelas crianças da casa vizinha na calçada, se também assim, como ela, se questionava e perguntava a si mesmo. Até quando?

2 comentários:

  1. Cintia, ótimo conto, que trata de alguns sentimentos com profundidade e, ao mesmo tempo, leveza. Personagens também são um ótima maneira de "extravasar" os dramas pessoais ou de histórias das quais fazemos parte.

    Mui belo! Parabéns!

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  2. E laiá, contos e poesias são o que há! Adoro a magia que esconde esses tipos de texto. A partir deles, colocamos ficção do lado da realidade e deixamos nas mãos dos leitores o poder de decisão sobre o que de fato é verdade.
    Em especial, parabéns pelo escrito! Tá melhor a cada dia no gênero!

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