segunda-feira, 6 de julho de 2009

CADENTE

Ela passou como um raio cortando o céu, passou vagarosamente e brilhantemente acima das nossas cabeças. Há quanto tempo eu não via uma estrela cadente? Não sei. Acho até que nunca tinha visto uma, não com tanta calma assim.
Enquanto eu lia “ Quando Nietzche chorou”, e minha sobrinha ao lado, brincava com um brinquedo que ganhou há poucos meses, fui tomada por uma estranha sensação de riqueza, uma sensação de plenitude que nunca tinha conhecido. Eu valorizo o conhecimento das sensações muito mais que qualquer outro conhecimento.

E dentre todas as coisas que pensei, uma delas foi :”O que eu preciso mais?”. Eu tenho um livro, eu tenho uma sobrinha cantarolante em plena saúde do meu lado e tenho um céu quase amarelo acima da minha cabeça aguardando a despedida do sol. Tenho um pai entretido com os passarinhos e uma mãe que fica o tempo todo perguntando se estou bem. Tenho amigos que não me deixam em paz, digo no bom sentido... porque me lembram que por mais que me sinta só, eu não estou.

Acho horrível ter que usar o verbo Ter nesse tipo de declaração, mas a nossa língua portuguesa é traidora as vezes, nos fazendo ter, ter e ter ao invés de sentir apenas. Como se você pudesse aprisionar a amizade ou o amor de alguém num verbo mal explicado.

E então Ela passou, minha sobrinha de quatro anos, pulou se perguntando que era aquilo, os olhos curiosos se agitavam pra mim, então eu disse sobre a estrela e sobre o que as pessoas dizem a respeito de fazer pedidos quando uma delas passa.
Então a menina fechou os olhos e pensou e pensou no seu pedido, e então ela gritou:
- Eu quero um tênis que brilha, dona estrela!

Eu quis rir, mas depois quis chorar. Em lembrar de um tempo em que tudo que eu queria era um tênis que brilhava, um laço rosa pra por no cabelo ou uma roupinha nova pra minha boneca. Lembrei que hoje as coisas são tão mais difíceis, muito em partes, por culpa minha. Eu ando dificultando as coisas pra mim.
Então lembrei que não preciso de mais nada, não preciso exigir tanto de mim.

Quando a traça corroer tudo, quando nada tiver sentido e sinto que cada vez mais esse dia se aproxima e o sentido se afasta, eu ainda terei um céu quase amarelo, ou quasse negro ou azul, a voz infantil cantarolando algo sobre o sabiá, ainda terei a minha estante de livros e alguém me lembrando que não estou só.

"...E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais..."
(Vinícius de Moraes)

6 comentários:

  1. Poxa Ci..uma reflexão bonita e tbm um pouco triste...mas como diria Lya Luft, 'a vida é bela, mesmo quando dolorida'.
    Beijão!

    ResponderExcluir
  2. Um grande texto Cintia. Uma grande leitura. Uma bela experiência. Fiquei abobado, acredita que lá estava eu comtemplando o fim do meu sábado (esse último que passou), quando de repente eis que desliza no céu uma estrela cadente, fiz meu pedido, e continuei admirado. As pequenas coisas da vida parecem ser tão enorme certas horas, tem coisas que a intensidade vale mais que a proporção.

    um beijo.

    ResponderExcluir
  3. Oi, Obrigada. Minha intenção era bem essa, despertar o interesse para coisas menores e simples. O interesse de quem lê, mas o meu próprio interesse também.
    Bjo a todos que têm acompanhado.

    ResponderExcluir
  4. pra corrigir: contemplando... hahaha

    beijos.

    ResponderExcluir
  5. Cintia, sua inteligência me assusta!
    A sua reflexão sobre coisas tão simples foi maravilhosa.
    Por vezes eu também me sinto assim. Sinto que não preciso de nada mais do que já "tenho".
    Parabéns, viu?!
    Beijão

    ResponderExcluir
  6. Legal mesmo Ci,coisas como um simples "Oi,tudo bem?" nos fazem nos sentirmos muito importantes quando vindo de um amigo de verdade,é onde vemos que não estamos sozinhos! Me sinto honrado de ser eu amigo..
    Amo vc!
    beeijo!

    ResponderExcluir